Somos obcecados com perfeição, em todas as esferas da vida. Historicamente, filosoficamente, religiosamente. Cientificamente. E, principalmente, socialmente.
Sempre foi assim. Pegue as primeiras tentativas de explicar o universo sem ser de forma alegórica, por exemplo. Os planetas são esferas perfeitas, que circulam em órbitas circulares perfeitas. Afinal, o universo foi criado por um ser perfeito, então tudo deve ser perfeito. E, desde os Pitagóricos, pelo menos, o círculo e a esfera eram formas perfeitas, uma vez que elas são eternas; não começaram em nenhum ponto, nem terminam em nenhum ponto. Se alguma coisa na realidade pudesse ser considerada um espelho da natureza divina, tinha que ser a esfera.
Um círculo visto mais de perto |
Alguns podem dizer que isso é óbvio. Todo mundo “sabe” que não existe nada perfeito, certo? Mas então porque continuamos almejando relações perfeitas (seja de amizade, familiares ou românticas)? Porque, apesar de admitirmos que ninguém é perfeito, que toda pessoa tem defeitos, nos decepcionamos quando uma pessoa demonstra justamente isso?
Talvez o problema seja que, por padrão, não nos relacionamos com pessoas. Nos relacionamos com idealizações que fazemos das pessoas. Criamos um círculo perfeito chamado “pessoa” e, quando chegamos perto, começamos a enxergar as rachaduras. A falta de simetria. A aspereza. E passamos a achar que aquele “círculo” nos enganou e saímos decepcionados.
Mas o problema não é realmente o círculo, não é? O problema é, realmente, acreditarmos que as relações humanas podem ser idealizadas da mesma forma que sólidos geométricos, ou classificações taxonômicas. A diferença é que, nos casos citados, nós reconhecemos que são idealizações, e sabemos que elas só funcionam num nível teórico, para estudo. Elas deixam de funcionar na prática, ou seja; não servem para experimentar a realidade na sua forma natural.
Este é o planeta onde você vive. |
Mas o que tudo isso tem a ver com relações humanas? Bem, tudo. Vivemos querendo buscar o perfeito, e falhamos em perceber que nessa escala idealizada a verdadeira natureza das coisas se perde. O verdadeiro sentido de experimentar o mundo, estar vivo, nos passa despercebido. Nos condenamos quando erramos, condenamos os outros porque erram. E vivemos esperando ser aquela idealização que as pessoas esperam de nós, e queremos que as pessoas sejam a idealização que esperamos delas.
E, assim, fugimos da realidade e somos eternamente infelizes. E então culpamos os outros por não corresponderem às nossas expectativas. Outras pessoas, outros seres, outras realidades, outras épocas. Com isso, deixamos de aprender. De ensinar. E de viver.
Se reconhecemos e admitimos que nada no mundo é perfeito, especialmente as pessoas, esta na hora de começarmos a ver a perfeição não como a solução, mas como o problema das relações humanas. E que a verdadeira virtude está quando olhamos mais de perto, e como somos capazes de lidar com o que quer que esteja além das nossas idealizações, seja em nós, seja no outro. É o que fazemos disso, o que aprendemos e o que mudamos com isso, que talvez seja o que faz toda a diferença.
Não é fácil aceitar que o círculo perfeito, na verdade, não existe, afinal somos muito bons em enganar a nós mesmos a respeito da perfeição das coisas. Fazemos isso desde sempre. E mudar a escala para ver as pessoas como elas realmente são nunca é bonito, frequentemente não é nada agradável e sempre traz consequências que nos mudam para sempre.
Viver não é perfeito. Se relacionar com outros não é perfeito. Mas é verdadeiro. É real.