O dia em que o mundo se uniu pelo futuro do planeta (sim, isso realmente aconteceu)

É difícil acreditar, mas teve uma vez que a humanidade se uniu em prol de um objetivo comum. E esse objetivo era o meio ambiente. Não só isso: era um problema que talvez não fosse afetar as autoridades da época, apenas as gerações seguintes. Eu sei, eu sei, parece fantasia considerando o contexto atual, mas aconteceu. Foi quando banimos os gases CFC para evitar o aumento do buraco na camada de ozônio. Se você tem menos de 30 anos, provavelmente nunca ouviu falar dos CFCs. Talvez nem mesmo tenha ouvido falar de um “buraco” na camada de ozônio. E isso só mostra o quanto essa iniciativa foi bem-sucedida.



A história começa lá nos anos 70 (bom, na verdade começaria com o início da formação do planeta, mas vamos pular essa parte), quando cientistas descobriram que a camada de ozônio estava ficando mais fina especialmente nas regiões polares, o que eles chamaram de “buraco”. Para quem não sabe (me sinto estranho tendo que explicar isso, mas enfim), ozônio é um tipo de molécula de oxigênio que, ao contrário do que O2 respiramos, é tóxica para seres vivos no contato direto. Mas lá na estratosfera, longe da gente, tem uma “capa” de ozônio natural que envolve todo o planeta e que, ironicamente, é uma das grandes responsáveis por manter a vida na Terra, pois ajuda a bloquear a forte radiação ultravioleta do sol (mais sobre isso aqui). Quanto maior o “buraco”, mais radiação ultravioleta o planeta recebe e em determinado ponto a vida na terra se torna inviável.

Com o tempo, se descobriu que um dos responsáveis pelo buraco na camada de ozônio eram os clorofluocarbonetos, carinhosamente conhecidos como CFCs. Era preciso parar com o uso de CFCs ou em algumas décadas a Terra seria um lugar bem diferente, talvez até inabitável. O problema era que os CFCs eram usados para muita coisa do dia a dia, como em líquidos refrigerantes (usados em coisas como geladeiras e ar-condicionados), solventes e todo tipo de produto aerossol (incluindo produtos para cabelo que eram muito populares nos anos 80). Os CFCs estavam completamente inseridos no dia a dia das pessoas, principalmente nos países desenvolvidos, e eram parte significativa da manutenção do luxo e do conforto da classe média e alta desses países.

A descoberta do buraco na camada de ozônio foi publicada em 1974 e já em 1976 a Agência Nacional de Ciências dos EUA publicou um relatório confirmando os resultados. Mas a associação da diminuição da camada de ozônio com a liberação de CFC no ar só viria a ser feita em 1985, quando cientistas fizeram a comparação entre a diminuição de ozônio e o aumento de moléculas de CFC na atmosfera.

Acredite se quiser, a metáfora do “buraco” na camada de ozônio e o alerta sobre suas futuras consequências funcionou. Ainda em 1985, 20 países, incluindo os maiores produtores de CFC assinaram o que ficou conhecido como “Convenção de Vienna”, que estabeleceu uma estrutura de negociação para regulamentar internacionalmente substâncias capazes de ferir a camada de ozônio.

Mesmo com as empresas que faziam parte da indústria do CFC (companhias grandes como a DuPont) fazendo grande lobby para minimizar os resultados científicos, líderes de diversos países continuaram a levar adiante a agenda para a proteção da camada de Ozônio e, em 1987, foi criado o Protocolo de Montreal, um acordo de nível internacional que bania o uso de CFCs e outros gases nocivos à camada de ozônio e incentivava a criação de tecnologias alternativas.

Surpreendentemente (e, de novo, eu sei que parece mentira, considerando o mundo em que vivemos hoje), o acordo funcionou. Foi colocado em prática e, com o tempo, o uso de CFCs praticamente cessou, o que permitiu à camada de Ozônio se recuperar. É por isso que hoje você não ouve mais falar do tal buraco na camada de ozônio.

Eu não sei dizer exatamente o que levou as pessoas a levarem a sério a ameaça da camada de ozônio naquela época enquanto que mais de 30 anos depois as pessoas não conseguem nem concordar em usar uma droga de uma máscara para ajudar a proteger a si e seus entes queridos. Mas dá para dizer que os EUA teve papel fundamental nesse acordo. Desde o começo o governo levou a ameaça a sério, financiando novos estudos sobre a camada de ozônio, reunindo aliados e trabalhando em busca de um pacto global para o controle desses gases. Mais uma vez, eu sei que parece surpreendente, mas o senado americano foi unânime na decisão de controlar os CFCs e proteger a camada de ozônio. Tanto democratas quanto republicanos se engajaram nessa luta. 



Os CFCs não se foram completamente. Ainda há emissões residuais desses gases que têm retardado a recuperação total da camada de ozônio. Ainda assim, é impressionante pensar que meras 3 décadas atrás o mundo foi capaz de se unir em prol de uma causa como essa. Eu sei que pode haver outros exemplos, mas esse é importante por um aspecto muito particular. O buraco na camada de ozônio era um problema corrente, mas uma ameaça futura, assim como é o aquecimento global. O que os países fizeram foi chegar a um acordo sobre algo que não os afetaria naquele momento, mas afetaria seus filhos e netos. Não há muitos exemplos em que o mundo se uniu em prol de uma causa que não era imediata.

O que aconteceu de lá pra cá? Como conseguimos banir os CFCs, mesmo com empresas poderosas por trás, mas não conseguimos chegar a um consenso sobre aquecimento global? Pior, como é que não conseguimos nem mesmo concordar em nos cuidar e cuidar de outros em meio a uma pandemia? Eu não estou exagerando quando digo que todos os dias que entro no twitter, eu me pergunto isso. Me pergunto para onde foi esse mundo que estava disposto a colocar quaisquer outras diferenças de lado (e acredite, haviam muitas diferenças, especialmente políticas, naquela época) por algo que fosse um risco a vida e ao futuro de todo mundo. E eu sinceramente não tenho respostas. Mas o fato disso já ter acontecido antes mostra que é possível. Ou foi. Espero que um dia seja de novo, antes que seja tarde.