O dia em que o mundo se uniu pelo futuro do planeta (sim, isso realmente aconteceu)
A história começa lá nos anos 70 (bom, na verdade começaria com o início da formação do planeta, mas vamos pular essa parte), quando cientistas descobriram que a camada de ozônio estava ficando mais fina especialmente nas regiões polares, o que eles chamaram de “buraco”. Para quem não sabe (me sinto estranho tendo que explicar isso, mas enfim), ozônio é um tipo de molécula de oxigênio que, ao contrário do que O2 respiramos, é tóxica para seres vivos no contato direto. Mas lá na estratosfera, longe da gente, tem uma “capa” de ozônio natural que envolve todo o planeta e que, ironicamente, é uma das grandes responsáveis por manter a vida na Terra, pois ajuda a bloquear a forte radiação ultravioleta do sol (mais sobre isso aqui). Quanto maior o “buraco”, mais radiação ultravioleta o planeta recebe e em determinado ponto a vida na terra se torna inviável.
Com o tempo, se descobriu que um dos responsáveis pelo buraco na camada de ozônio eram os clorofluocarbonetos, carinhosamente conhecidos como CFCs. Era preciso parar com o uso de CFCs ou em algumas décadas a Terra seria um lugar bem diferente, talvez até inabitável. O problema era que os CFCs eram usados para muita coisa do dia a dia, como em líquidos refrigerantes (usados em coisas como geladeiras e ar-condicionados), solventes e todo tipo de produto aerossol (incluindo produtos para cabelo que eram muito populares nos anos 80). Os CFCs estavam completamente inseridos no dia a dia das pessoas, principalmente nos países desenvolvidos, e eram parte significativa da manutenção do luxo e do conforto da classe média e alta desses países.
A descoberta do buraco na camada de ozônio foi publicada em 1974 e já em 1976 a Agência Nacional de Ciências dos EUA publicou um relatório confirmando os resultados. Mas a associação da diminuição da camada de ozônio com a liberação de CFC no ar só viria a ser feita em 1985, quando cientistas fizeram a comparação entre a diminuição de ozônio e o aumento de moléculas de CFC na atmosfera.
Acredite se quiser, a metáfora do “buraco” na camada de ozônio e o alerta sobre suas futuras consequências funcionou. Ainda em 1985, 20 países, incluindo os maiores produtores de CFC assinaram o que ficou conhecido como “Convenção de Vienna”, que estabeleceu uma estrutura de negociação para regulamentar internacionalmente substâncias capazes de ferir a camada de ozônio.
Mesmo com as empresas que faziam parte da indústria do CFC (companhias grandes como a DuPont) fazendo grande lobby para minimizar os resultados científicos, líderes de diversos países continuaram a levar adiante a agenda para a proteção da camada de Ozônio e, em 1987, foi criado o Protocolo de Montreal, um acordo de nível internacional que bania o uso de CFCs e outros gases nocivos à camada de ozônio e incentivava a criação de tecnologias alternativas.
Surpreendentemente (e, de novo, eu sei que parece mentira, considerando o mundo em que vivemos hoje), o acordo funcionou. Foi colocado em prática e, com o tempo, o uso de CFCs praticamente cessou, o que permitiu à camada de Ozônio se recuperar. É por isso que hoje você não ouve mais falar do tal buraco na camada de ozônio.
Eu não sei dizer exatamente o que levou as pessoas a levarem a sério a ameaça da camada de ozônio naquela época enquanto que mais de 30 anos depois as pessoas não conseguem nem concordar em usar uma droga de uma máscara para ajudar a proteger a si e seus entes queridos. Mas dá para dizer que os EUA teve papel fundamental nesse acordo. Desde o começo o governo levou a ameaça a sério, financiando novos estudos sobre a camada de ozônio, reunindo aliados e trabalhando em busca de um pacto global para o controle desses gases. Mais uma vez, eu sei que parece surpreendente, mas o senado americano foi unânime na decisão de controlar os CFCs e proteger a camada de ozônio. Tanto democratas quanto republicanos se engajaram nessa luta.
Os CFCs não se foram completamente. Ainda há emissões residuais desses gases que têm retardado a recuperação total da camada de ozônio. Ainda assim, é impressionante pensar que meras 3 décadas atrás o mundo foi capaz de se unir em prol de uma causa como essa. Eu sei que pode haver outros exemplos, mas esse é importante por um aspecto muito particular. O buraco na camada de ozônio era um problema corrente, mas uma ameaça futura, assim como é o aquecimento global. O que os países fizeram foi chegar a um acordo sobre algo que não os afetaria naquele momento, mas afetaria seus filhos e netos. Não há muitos exemplos em que o mundo se uniu em prol de uma causa que não era imediata.
O que aconteceu de lá pra cá? Como conseguimos banir os CFCs, mesmo com empresas poderosas por trás, mas não conseguimos chegar a um consenso sobre aquecimento global? Pior, como é que não conseguimos nem mesmo concordar em nos cuidar e cuidar de outros em meio a uma pandemia? Eu não estou exagerando quando digo que todos os dias que entro no twitter, eu me pergunto isso. Me pergunto para onde foi esse mundo que estava disposto a colocar quaisquer outras diferenças de lado (e acredite, haviam muitas diferenças, especialmente políticas, naquela época) por algo que fosse um risco a vida e ao futuro de todo mundo. E eu sinceramente não tenho respostas. Mas o fato disso já ter acontecido antes mostra que é possível. Ou foi. Espero que um dia seja de novo, antes que seja tarde.
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