Sobre o que perdemos - e o que ganhamos - enquanto nos encontramos

Envelhecer é uma experiência... curiosa. Não que você fique necessariamente mais sábio, mas o tempo nos faz reinterpretar as coisas de outras formas. E a consequência disso é que a gente passa a ter visões diferentes de quando era mais jovem em diversos assuntos - muitas vezes até opostas.

Por um lado, isso é bom, você é capaz de evoluir, de amadurecer, de ser uma pessoa melhor do que era. Por outro lado, há um efeito colateral que muitas vezes passa batido: a inevitável desconexão com as pessoas ao seu redor.

Não há realmente uma linha divisória, um antes e um depois disso; em algum momento, você simplesmente se dá conta de que algo mudou. Às vezes, é você quem não reconhece mais as pessoas. As vezes são as pessoas que não te reconhecem mais. Às vezes ambos. E às vezes é você quem não se reconhece mais. Isso acontece com frequência quando não se tem mais os mesmos hábitos que mantinha quando jovem - mas esse é o exemplo mais óbvio.

E às vezes você percebe que a relação que tinha com seu círculo frequente (o que, nos dias de hoje, não envolve só pessoas com quem você convive pessoalmente, mas quem você conheceu e manteve contato frequente online) não é aquela que você pensava que fosse. Nesse caso, não é que a relação em si tenha mudado - você só se deu conta que ela nunca foi do jeito que pensava que era.

Por isso acontece muito de amigos se afastarem. A gente se pergunta "o que aconteceu?", e a resposta, é claro, tem muitas alternativas, mas uma delas é que a relação talvez não fosse aquilo que você pensava para começo de conversa. Pode ser que você considerava essa pessoa mais sua amiga do que ela o considerava, ou o contrário.

Passei por isso um tempo atrás, de perceber que determinadas pessoas não me viam da mesma maneira que eu as via. Em outras palavras, não me consideravam tão amigo assim. No começo, foi meio que um choque. É claro que sei que isso acontece o tempo todo, mas quando a gente se dá conta que aconteceu com a gente, é estranho. Parece que toda a realidade mudou, quase como um efeito Mandela das relações pessoais.

E tem aquelas vezes que você já não se sente mais à vontade para ser você mesmo em um grupo que antes você adorava justamente por poder fazer isso. Mais uma vez, não dá para apontar quando isso começou; em algum momento, você simplesmente percebe que não é mais a mesma coisa.

É claro que pode haver diversos motivos para isso: as pessoas podem estar vivendo seus problemas particulares e isso está afetando a forma como interagem; ou você mesmo pode estar passando por algo. Não há uma ciência exata aqui.

Mas acho que, independente disso, o motivo pelo qual muitas pessoas se afastam da gente, e a gente se afasta de muita gente, é que alguma coisa mudou. Algo que não pode ser descrito ou explicado, mas que também não pode mais ser ignorado.

O período da pandemia me deu muito tempo para pensar sobre isso. Se eu sabia ser um bom amigo para os outros, por exemplo. Sobre se eu tinha bons amigos de fato. E sobre o próprio conceito de amizade de uma forma geral.

Hoje, não sei mais conceitualizar amizade como antigamente. Quanto mais velho vou ficando, menos certezas vou tendo. Não sei bem explicar o que é um melhor amigo, ou apenas um conhecido. Tem pessoas que conheço pessoalmente e considero amigos muito próximos, cujo trabalho estou sempre apoiando e divulgando, mas que nunca retribuem o gesto. É claro, não faço isso porque quero retribuição, faço porque acho que é o certo. Mas amizade como via de uma mão única é realmente amizade? Taí uma boa pergunta.

Em compensação, já fui ajudado por pessoas que nunca vi na vida, gente que mal me conhece, com quem nunca interagi em nenhuma rede social. Pessoas que, com pequenos gestos, fizeram mais por mim do que pessoas muito mais próximas (ou que deveriam ser, pelo menos).

Hoje entendo que muito de nossas relações tem a ver com qual estágio estamos em nossas vidas (e pessoas na mesma idade podem estar em estágios completamente diferentes), mas também com o quanto a gente e capaz de dar de si a cada pessoa com quem a gente interage.

E não estou falando de uma decisão consciente de ser mais ou menos amigo, estou falando de algo que não é possível controlar, algo que talvez nem seja possível explicar, mas que acontece o tempo inteiro, em qualquer interação. E nem sempre depende do quanto você conhece essa pessoa. Muitas vezes, é o momento em que você está vivendo, as coisas pelos quais está passando. Às vezes é como a pessoa foi criada; alguns crescem sabendo dar muito de si, outros crescem não fazendo ideia de como fazer isso.

Já passei por situações de perder amigos por fazer coisas que eu não entendia como graves (e sigo sem entender). E isso me deixava muito perturbado, especialmente porque, nesse caso em particular, nenhum pedido de desculpa, nenhuma atitude fez a pessoa aceitar minhas desculpas. E eu fiquei um bom tempo sem me perdoar achando que não sabia como me relacionar com as pessoas.

Na verdade, ainda não sei se eu sei, mas essa experiência me fez estabelecer alguns critérios com relação a como interajo com as pessoas, como dedico meu tempo e quanto me entrego a outros. E aqui estou falando de qualquer tipo de relacionamento: familiar, amizade, amoroso, profissional, com o vizinho, com a pessoa aleatória que puxa conversa com você na fila, e por aí vai. E o maior desses critérios é que todo relacionamento entre seres humanos tem que ser uma via de mão dupla.

Se tem algo que todo mundo tem em comum é que todos nós erramos. E, sim, há erros que são considerados imperdoáveis, entendo isso. Mas também há o quanto você está disposto a manter o relacionamento e fazer ele funcionar. Relações dão trabalho e, embora muito se fale sobre isso no relacionamento amoroso, não acho que as pessoas falam o suficiente sobre como isso se aplica a qualquer tipo de relacionamento humano ao longo da vida.

Se o seu amigo(a) te magoou, é decisão sua nunca mais falar com a pessoa ou não querer confrontá-la sobre isso e deixar assim, mas ao mesmo tempo você deveria se perguntar: essa é uma amizade pela qual vale a pena lutar? Às vezes a resposta vai ser sim, às vezes, não. E, se vale, a outra pessoa está de fato empenhada em consertar as coisas? Se não há um empenho de ambas as partes, talvez seja a hora de repensar esse relacionamento.

É por isso que não há necessidade de julgar quem não consegue dar de si o quanto você gostaria. E nem necessidade de se cobrar por achar que você é o problema. Relações humanas às vezes são fortes e duradouras, mas frequentemente são fluídas, voláteis, efêmeras. Mas nem por isso são menos relevantes. Não vale a pena esperar de alguém algo que ela não pode dar. E nem prometer aquilo que você não é capaz de entregar.

É triste quando uma amizade acaba. Quando um casamento acaba, quando um parente se afasta da família (para muitos da minha, eu sou o parente que se afastou). Mas, às vezes, acabar é a consequência natural de que aquilo não havia sido criado para continuar por mais tempo de qualquer maneira.

Eu tive muitos amigos durante minha vida. Ainda tenho, felizmente (ou acredito que tenho, pelo menos). Mas até hoje não sei dizer se eu mesmo sou um bom amigo. Não sei se o quanto eu consigo dar de mim é suficiente, tanto para o outro quanto para mim mesmo. A única coisa que sei é que, com o tempo, é mais fácil olhar para trás e entender as coisas de uma perspectiva mais ampla. E a partir disso tentar ser melhor.

Hoje olho com menos culpa para as relações que não funcionaram como eu gostaria. Não porque eu ache que não tenho culpa de nada, mas porque entendo que ou não me empenhei o suficiente para reconstruir o vínculo ou quem não se empenhou foi a outra pessoa. Ou pode ser que ambos se empenharam, e no fim descobriram que o melhor era cada um seguir seu caminho. Qualquer que seja o caso, é o que é. Nem toda história tem final feliz - mas todas as histórias tem algum final.

Tudo acaba. E tudo que acaba abre caminho para que outra coisa comece. Sim, parece papo motivacional, mas nem por isso é mentira. A verdadeira pergunta é se vale a pena se manter apegado a algo que acabou, se vale a pena resgatar e trazer de volta, ou o melhor é seguir em frente. Não há uma resposta certa para isso - e nem uma execução simples. Cada caso é um caso.

Hoje acredito que olhar para trás deve servir como referência e como análise, para que a gente possa reavaliar nossa visão de mundo e evitar cometer os mesmos erros. Mas olhar para trás não vale de nada se não nos ajudar a seguir em frente.

Estamos sempre em movimento, e esse movimento é sempre em direção ao futuro. Essa é a direção que todos seguimos, quer a gente queira ou não. Você pode insistir em ficar olhando para trás quando estiver dentro de um carro em movimento, mas isso não vai impedir o carro de continuar se movendo para frente. Mas vai fazer com que você perca o controle e sofra um acidente de percurso. Você pode lamentar um relacionamento que acabou, mas isso não vai impedir a vida de continuar acontecendo.

Como comentei no começo do texto, envelhecer é uma experiência curiosa. Tem muita gente que, quanto mais velho fica, maior é a tentação de se apegar ao passado. Hoje em dia, eu carrego o passado comigo, mas apenas como bagagem, como suporte, como proteção. Mas tento não deixar que o passado se torne pesado demais para carregar que me impeça de continuar caminhando.

Porque eu que eu quero é ver o que está lá na frente. Que outras pessoas eu ainda vou conhecer, que outros lugares ainda vou visitar. Que outros desafios ainda vou enfrentar. Quer outros erros ainda vou cometer.

O que quer que aconteça, que seja para continuar seguindo em frente.